Curso Online de Mitologia Comparada e Educação Antirracista

Prof. Me. Carlos Carvalho Cavalheiro

Muita gente confunde mito com "mentira", história sem o fulcro da verdade. Não é bem assim. Embora a mitologia se apresente com um enredo fabuloso, com personagens fantásticos e divinos, é preciso entender que a linguagem dos mitos é sempre simbólica e poética. 
Nesse sentido, podemos entender os mitos como uma maneira de expressar verdades indizíveis por outros meios que não o do uso de linguagem simbólica.

Mas isso não quer dizer que os mitos sejam "mentiras". Comparando-os a uma poesia cuja forma de expressão se aproxima dos textos míticos - quando um poeta compara a beleza de sua musa ao espetáculo da natureza (como o luar pleno que ilumina o deserto noturno), isso é muito mais uma maneira de se expressar do que necessariamente uma "mentira".
Trataremos neste curso o mito não como mentira, mas como uma linguagem simbólica.

Bom, se mito não significa mentira, qual é o conceito que melhor o define?
Joseph Campbell, um dos maiores pesquisadores de mitologias, dizia que "mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana" (1990, p. 6).
Em outra definição, Campbell nos ensina que "Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos" (1990, p. 5).

A antropóloga Maya Deren diz que os "mitos são fatos da mente manifestos numa ficção da matéria".
Portanto, a ideia de que mito é tão somente "uma história fictícia ou meia verdade" (SEARS, 2015, p. 11) está ultrapassada.
Como bem nos ensina Kathleen Sears, "é muito mais profundo do que isso" (IDEM).
Os povos mais antigos usaram os mitos como forma de explicar o seu mundo.

As explicações mais antigas de aspectos do mundo e da espiritualidade humana eram dadas por meio dos mitos.
Há uma impressão de que os filósofos da Grécia Antiga se opuseram às explicações mitológicas, buscando respostas mais racionais.
O fato de uma resposta não se utilizar da razão não significa que ela seja irracional. Há uma questão dialética implícita nisso. Nem tudo o que não é doce, é necessariamente salgado.

Não sendo exatamente racional, a explicação mitológica não é necessariamente "irracional" no sentido popular do termo.
Há outras capacidades humanas que extrapolam o racional, ou seja, o processo do uso da razão para a construção do conhecimento.
No entanto, quando se estabeleceu a oposição entre a Filosofia e a Mitologia, criou-se a dicotomia entre o conhecimento racional e o mitológico.

Com o surgimento da Modernidade e do Renascimento, a retomada da valorização do pensamento racional contribuirá para aumentar esse distanciamento entre mito e ciência.
Apesar disso, o mito continua sendo referenciado nas obras artísticas, nas retóricas e discursos, nos textos escritos.
Mas o mito vai se aproximando daquele sentido popular de "ficção ou meia verdade", para depois se converter em sinônimo de "mentira".

A ciência requer o rigor da comprovação. Os mitos não podem entregar esse valor porque a sua substância é outra. É uma linguagem espiritual, o que aproxima o mito das religiões.
"Essencialmente, os mitos estão na base das religiões: eles definem as culturas e codificam seus valores" (WILKINSON, 2018, p. 12).

Basicamente, todos os povos desenvolveram suas explicações mitológicas. Em outras palavras, aqueles mistérios e as perguntas que eles suscitavam, foram respondidas pelos narradores de histórias.
De onde viemos? Quem nos criou? Qual o objetivo da vida?
Quem é o responsável pela criação da Terra e do céu?
Essas perguntas - lugares comuns - surgiram nas mentes humanas desde o momento em que começamos a utilizar a nossa inteligência.

Wilkinson nos diz que "Com raras exceções, a exemplo da tribo pirahãs, recém-descoberta, toda cultura humana desenvolveu uma mitologia própria para explicar suas origens e conseguir entender os fenômenos observados no mundo natural" (2018, p. 12).
Já Sears confirma que apesar da prevalência dos mitos gregos e romanos, "outras culturas como a dos povos japonês, indígenas, indiano, chinês, nórdico, africano, celta, aborígene e egípcio - têm os próprios mitos" (2015, p. 11).